O ramo da psicologia, de maneira geral, ainda é conservador por si só. Layla Thamm, psicóloga e psicanalista LGBT, destaca que as vivências da comunidade normalmente não são abordadas dentro dessa área. “Muitas vezes a especificidade do atendimento à população LGBTQIAP+ é ignorada, seja por desconhecimento, por preconceito ou por despreparo para lidar com essa questão. Há espaços dentro da formação para explorar esse tema e falar da importância dele, mas esses nichos ainda estão sendo criados e conquistados”, comenta.
Sobre a formação destes profissionais, Giovanna Loubet, psicóloga clínica, psicanalista e pesquisadora das temáticas de gênero, diz ao iG Queer que não teve uma orientação concreta sobre o atendimento à pessoas LGBT enquanto se graduava, e que esse é um tema que, além de estudado, precisa ser presenciado pelos profissionais da área.
“A diversidade não é só um tema, é um fato vital. Talvez as instituições de ensino nem saibam como tocar nesse ponto porque não há uma forma específica de atender uma pessoa LGBT+, ou seja, não existe um caráter técnico exclusivo para isso, e sim a crucial urgência de que os psicólogos se interessem, busquem a informação por si mesmos e cobrem de suas instituições experiências e aprendizagens voltadas à cultura LGBT+. É necessário que haja inserção e troca. Embora existam teorias sobre a comunidade, a vivência LGBT não é teórica, ela é real”, explica a especialista.
Thamm chama a atenção para o fato de que, no Brasil, tornar-se terapeuta é um processo simples e rápido, o que levanta questionamentos sobre a qualidade da atuação desse profissional e como isso pode ser prejudicial aos pacientes, especialmente quando se fala da comunidade LGBTQIAP+.
"Qualquer pessoa, por meio de um curso breve se intitula terapeuta no país, e isso é grave. Na minha opinião, a prática de psicoterapia deveria ser restrita a psicólogos e psicanalistas ou deveria existir alguma regulação mínima de cursos de formação de terapeutas”, diz. Ela ainda explica como a diferença de informação pode causar lacunas perigosas quando se trata da abordagem aos pacientes.
“Uma pessoa formada em psicologia, mesmo com uma educação possivelmente conservadora e descolada dos temas importantes da atualidade, ainda tem brechas e recursos para se instrumentalizar e correr atrás dessa deficiência em sua formação, tendo como bases sólidas os aprendizados da universidade. Já alguém que fez um curso de duas semanas e se intitula terapeuta, além de provavelmente ter uma prática que não dá conta da responsabilidade, ética e estudo envolvidos, ainda pode reproduzir preconceitos mais ainda do que profissionais graduados, pois sua prática, pelo pouco estudo, acaba se baseando largamente no senso comum”, expõe.
Para compreender o que de fato há por trás das terapias de conversão, o psicólogo e fundador da Rainbow Psicologia – organização que liga pessoas LGBT a profissionais de saúde mental dedicados a atender a comunidade –, Hamilton Kida, explica que o principal ponto da problemática é enxergar a sexualidade ou identidade de gênero como o fator complicador na vida do indivíduo.
“As terapias de conversão sexual e de gênero usam a premissa de que o sofrimento é causado pelo fato de ser LGBT, e não por conta do preconceito, que é o real causador dessa angústia. É esse o argumento que as pessoas usam para essas práticas e que pode levar pessoas a terem crises de ansiedade, depressão e ideações suicidas, principalmente por se tratar de um posicionamento extremamente violento contra a identidade do sujeito em questão”, esclarece.
Jacqueline Chanel, mulher trans, cabeleireira e pastora, criou o projeto Séforas, que atende pessoas em situação de vulnerabilidade social, além de realizar cultos semanais voltados para todos os públicos, especialmente para pessoas LGBTQIAP+ que não se sentem acolhidas em outras igrejas. Contatada pelo iG Queer para comentar sobre o fato de que a maior parte das terapias de conversão são vividas dentro do ambiente religioso, Jacqueline é assertiva quando diz que não existe uma “cura gay”.
“A prova disso é que filhos de grandes personalidades do mundo gospel são gays, bissexuais ou trans e estão vivendo suas vidas normalmente, às vezes dentro de um armário, mas continuam existindo”, declara. “Nós [membros da igreja ICM – Igreja da Comunidade Metropolitana] consideramos a diversidade sexual como um privilégio para a comunidade, não como uma doença. Não há cura para o que não é patológico. Além disso, não vemos a vida LGBT como um pecado, pois a relação entre nossos corpos e a nossa sexualidade é uma manifestação divina”.
Jacqueline conta que faz parte de um movimento inclusivo progressista na igreja em que atua e explica que esse termo se dá justamente para bater de frente com outras igrejas que se dizem inclusivas, mas acabam compartilhando o tema “cura gay” e até mesmo promovem essas terapias de conversão para os frequentadores.
“Por exemplo, no caso de uma mulher trans que já esteja hormonizada e passando pela transição de gênero, com cabelos longos ou prótese de seios, algumas igrejas aplicam uma terapia de reversão para convencê-la a voltar atrás nesse processo e tirar o silicone, cortar o cabelo etc. Já a proposta da igreja inclusiva progressista é simplesmente viver a fé por meio dos nossos corpos como eles são. Inclusive, a primeira parada trans foi articulada nos porões da nossa igreja”, conta.
Ao ser questionada sobre qual a postura e o posicionamento da igreja na qual atua quanto à população LGBTQIAP+, Jacqueline aponta: “Temos o orgulho de celebrar um Jesus que é radicalmente inclusivo, amoroso e acolhedor para todas as pessoas”.
Aos 36 anos, Vinicius Verissimo , homem gay, compartilhou com o iG Queer toda trajetória que percorreu sendo submetido à terapia de conversão. De acordo com ele, desde a infância o bullying foi presente no cotidiano devido ao fato dele se sentir e se mostrar diferente das expectativas heteronormativas que lhe eram colocadas. Em vista disso, Vinicius chegou à adolescência já temeroso perante essas questões, principalmente porque vinha de uma criação religiosa.
“Conforme ganhei mais consciência do que sentia, me dei conta de que olhava mais para os meninos e comecei a me cobrar, porque desde muito cedo já fui exposto a ensinamentos e doutrinas relacionadas à homossexualidade. Meu pai se preocupava muito com a nossa educação religiosa. Para ele, era isso que formaria nosso caráter”, conta. Vinicius explica também que, semanalmente, toda a família fazia estudos religiosos. “Já entre os seis e os sete anos minha mente já era condicionada a entender que a relação entre as pessoas do mesmo gênero era um absurdo, um pecado, uma abominação”.
Devido ao conflito entre o que lhe era ensinado e o que ele sentia, Vinicius explica que teve uma adolescência bem conturbada. “Durante esse período, chorei noite e dia”, ressalta.
Foi aos 18 anos, após perder a virgindade, que se sentiu mais culpado com relação a tudo que sentia. “Me senti no fundo do poço, porque ainda tinha a mentalidade de que havia cometido o pior dos absurdos”, diz. “Como eu me via em um nível enorme de fracasso, acabei concluindo que precisava procurar ajuda, porque eu estava doente e tinha que fazer algo sobre isso. Era o que eu pensava”.
Sobre a abordagem das terapias de conversão dentro das igrejas, Vinicius explica que nem sempre o assunto é introduzido de maneira direta. “Existe sim um ensinamento de que a homossexualidade é errada e a tratativa que se dá é como se isso fosse algo muito absurdo, fazendo com que a pessoa se sinta acusada e culpada por si mesma e pelos que estão à nossa volta. É algo que começa dentro de nós”, pontua.
Vinicius explica ainda que, tendo em vista essa primeira forma de abordagem, as pessoas LGBT começam a mergulhar em todos os aparatos possíveis dispostos no ambiente religioso em questão, convencidas de que precisam urgentemente corrigir algo dentro de si mesmas.
“Começamos a buscar recursos dentro da instituição religiosa para tentar lidar com a situação. Por vezes a pessoa acredita que se trata de um fator que pode realmente ser mudado. A mentalidade de um gay que está em uma situação como essa é que se trata de uma fraqueza espiritual. Ele pensa: ‘Não estou buscando a Deus adequadamente, não estou me fortalecendo, estou muito carnal, tendencioso’. Você busca explicações para justificar os próprios desejos”, explica.
Uma vez iniciado esse contato direto com a igreja em busca da suposta “cura”, Vinicius comenta que as reações de cada pessoa podem variar, principalmente levando em consideração a personalidade do indivíduo em si e em como ele vai lidar com a situação. “Existem pessoas que, apesar de toda essa perturbação mental causada pela situação, são naturalmente mais contidas e reservadas e, portanto, conseguem guardar tudo dentro de si. Elas podem se esconder e permanecer no armário para o resto da vida, e normalmente chegam a casar e ter filhos, porque esse é o comportamento padrão esperado. Também há os que se sentem errados e vão de fato buscar ajuda. Tendo em vista isso, a ‘cura gay’ não é um processo explícito, pelo menos não em 95% das igrejas”, ressalta.
Para Vinicius, o processo de “cura” realizado pelas igrejas é majoritariamente guiado pelos discursos de pregação em si. “Uma vez que você está ali desde criança ouvindo que o que você sente é errado, chega uma hora que a pessoa internaliza isso e passa a soar como uma verdade. O sentimento de culpa é o que leva você a buscar por esse processo de ‘conversão’”, declara.
Ele ressalta que o que mais acontece dentro das igrejas evangélicas, especialmente as Pentecostais e Neopentecostais, são eventos e campanhas de “libertação”: “É nesse momento que muita gente se insere nesses movimentos específicos e intensificam muito os conflitos dentro de si, porque acham que estão lutando contra o inimigo dela, então precisam se espiritualizar muito para conseguir vencer a situação, no caso a homossexualidade”. Com relação à própria experiência, Vinicius diz que se lembra de celebrar as pequenas “vitórias” durante o processo de conversão pelo qual passou.
“Eu comemorava por ficar uma ou duas semanas sem me masturbar, por exemplo, ou por, durante determinado período de tempo, conseguir sair na rua e não olhar para nenhum homem. Olhe o ponto até o qual a gente chega”, diz. “Devido à culpa que se sente por ser quem é, você começa a buscar por pessoas que podem orar por você ou oferecer alguma ajuda, como jejuar pela causa e coisas do tipo. Esse processo de ‘cura’ acontece de forma muito indireta pela indução do próprio medo e culpa que é cultivado na pessoa”.
Durante certo período de tempo, Vinicius achou que de fato estava “liberto” e que tinha conseguido se “recuperar”. Porém, logo os mesmos sentimentos de antes retornaram e ele acabou “vencido pelo cansaço”, como conta ao iG Queer, e abriu mão de continuar insistindo em uma “cura”.
“Eu desenvolvi uma ansiedade muito forte sem perceber. Na época ainda existiam muitos tabus sobre isso no meio religioso, porque o que se diz nesses ambientes é que Jesus é o suficiente para resolver todos os problemas. Somos induzidos a olhar os profissionais da psicologia com um pé atrás, inclusive, então não existe a possibilidade de receber tratamento. Convivi com a ansiedade a adolescência toda e levei até a vida adulta. Somente há dois anos que comecei a buscar terapia, a realizar consultas com um psiquiatra e tomar medicações”.
Vinicius ressalta o quanto a sequência de acontecimentos pelos quais passou impacta sua vida até hoje. “Com o passar do tempo, parecia que as coisas sempre pioravam e ficavam mais pesadas. Hoje estou aqui, tendo que me cuidar e me tratar com medicações. Meu psicológico ficou muito abalado, e por mais que em determinados momentos a gente consiga dar os próximos passos e continuar seguindo em frente, as marcas do que aconteceu no passado não se apagam, elas passam a ser parte de você e da sua história sem que você se dê conta. Tudo influencia no que se está vivendo hoje. O efeito dominó de toda essa situação é fortíssimo, e as pessoas não têm ideia do que pode acontecer a alguém que se submete a esses processos de ‘cura’ e ‘conversão’”, diz.
Ele revela ainda que só conseguiu se sentir em paz com a própria sexualidade entre os 25 e os 26 anos. “Isso aconteceu depois de ler e estudar muito sobre o assunto. O que me ajudou também foi ter contato com a teologia inclusiva, que são grupos de igrejas evangélicas que aceitam fiéis LGBTQIA+. Eles têm explicações e embasamentos bíblicos a partir de estudos teológicos que explicam e abordam a sexualidade à luz da própria bíblia de forma muito diferente. Antes de conhecer essa vertente, eu ainda tinha uma visão muito errada sobre a minha sexualidade”, conta.
Conhecendo muitas pessoas ao longo da própria trajetória, Vinicius conta que já teve contato com homens gays crentes e ex-crentes, e afirma ainda que a maioria deles não se permite pensar devidamente sobre a própria sexualidade por conta das amarras da religião. “Muitos vivem suas vidas livremente fora da igreja mas não abordam o assunto, porque se fizerem isso a consciência deles vai acusá-los e dizer que estão errados. Eles ainda acham que vão para o inferno porque estão ‘vivendo uma vida de pecados’, ou seja, essas pessoas ainda não se resolveram e vivem sob a culpa, o medo e a acusação. Muitos conseguem sobreviver apenas porque omitem o assunto de si mesmos. Agem no modo automático”, aponta.
Além do fato de o processo de “cura” não ser abordado de maneira direta na maioria das igrejas, Vinicius comenta ainda que existem alguns poucos grupos e organizações que também propagam a ideia de que é possível converter a sexualidade de alguém.
“Geralmente são movimentos criados por alguém que passou por esse processo e conseguiu acreditar que foi curado. A partir disso, tentam levar esse entendimento de que é possível ‘deixar a sua vida como gay’. Cada um tem uma tratativa diferente com as pessoas, regras e explicações diversas também; não é algo padronizado. De modo geral, são poucos e com uma expressão diminuta”, esclarece.
Sobre a abordagem dos psicólogos, Vinicius chama atenção para o fato de que existem muitos profissionais que são cristãos e, mesmo que indiretamente, acabam abordando pessoas LGBT de forma a fazê-las se sentirem culpadas por serem quem são.
“Eu já conheci psicólogos cristãos que fizeram parte do meu contexto religioso no passado, e são pessoas que sempre vi militarem pelo direito de poderem tratar um homossexual que chegasse lá buscando pela cura da própria sexualidade”, conta.
Ele comenta ainda sobre como a comunidade sofre psicologicamente devido a estes processos e a todo contexto LGBTfóbico ao qual acaba submetida de maneira geral. “O número de pessoas emocionalmente afetadas e doentes dentro do nosso meio é muito grande e para mim tem bastante a ver com essas questões mal resolvidas. Alguns acham que estão bem apenas porque conseguem seguir a vida, mas internamente não conseguiram chegar a um grau de entendimento da própria sexualidade e compreender que não há nada de errado com o fato de ser quem é”, conclui.
Raiane Brito é personal stylist e uma mulher lésbica. Ela começa contando que tudo começou porque fazia parte de um grupo de orações. Quando compartilhou com o coordenador do grupo sobre estar se sentindo diferente com relação a como olhava para as mulheres, ele disse que ela deveria fazer terapia, mas não uma convencional.
“Tem que ser um profissional com cunho cristão, se não irão te dizer que está tudo bem e que você não precisa de ajuda”, conta. “Na época eu tinha convênio e até cheguei a entrar em contato perguntando se a profissional disponível era cristã. Como não tive retorno, o coordenador me direcionou para alguém da igreja. Não era um atendimento psicológico, esse nem era o termo utilizado, e sim alguém que me daria um caminho a seguir. Uma vez por semana essa pessoa me acompanhava. Era bem parecido com uma terapia convencional, mas esse profissional guiava a conversa de modo a tirar o aspecto natural do que eu estava sentindo e encontrar um motivo que explicassem o que estava acontecendo”.
Raiane comenta que o direcionamento que recebia estava muito ligado à prática da homossexualidade em si, e não apenas ao que se experenciava no íntimo. “Ela dizia: ‘Sentir isso não é pecado, e sim o ato, então você ter que orar e jejuar para que Deus te fortaleça e você não se relacione com ninguém’. Eu tinha em mente que ia ficar sozinha para sempre, então tentei me forçar de todas as formas a me relacionar com homens. Namorei muito naquela época”.
Ela começou a se descobrir aos 16, e durante o tempo em que estava no grupo de orações recebendo tais direcionamentos, Raiane conta que teve altos e baixos: às vezes parava de frequentar a igreja, mas logo voltava porque se sentia culpada. “Eu achava que o erro era meu. Aos 17 anos, devido a tanta pressão por não conseguir me ‘curar’ mesmo me relacionando com vários homens, decidi fazer o caminho vocacional para me tornar freira. O sentimento de culpa era muito forte, porque eu pensava que iria magoar e decepcionar todo mundo ao meu redor, especialmente minha família”.
Durante o um ano em que passou por essa preparação, Raiane acabou se apaixonando por uma noviça. Isso chegou ao conhecimento da instituição e uma irmã que assumia o papel de mentora lhe chamou para falar sobre a situação. “Ela me perguntou: ‘Você está aqui porque esse é o chamado da sua vida ou porque você vê isso como a sua única opção?’. Eu levo essa frase comigo para sempre, porque foi um estalo. Sempre tive e ainda tenho muito apego com a imagem de Jesus, e achava que se não seguisse o que era colocado para mim como ‘certo’, eu perderia essa conexão. Entendi que se eu quisesse manter esse vínculo e ver minha família feliz, me tornar freira era a única opção viável: não poderia ter relações com homens, o que me deixava muito desconfortável, nem com outras mulheres”.
Após esse episódio, Raiane entrou na faculdade e começou a mudar o jeito como se vestia e passou a explorar a própria sexualidade. Foi um susto para a família, principalmente para a mãe que tinha o sonho que a filha se casasse e constituísse família. Mesmo com a pressão, Raiane continuou se descobrindo, até conhecer um rapaz com quem acabou se envolvendo.
“Estava uma confusão tão grande na minha vida familiar que achei que me envolver com ele acalmaria minha mãe”, explica ela. “Começamos a nos conhecer e namoramos. Quando me dei conta, estava com ele há quase três anos. Nisso, minha cabeça deu um nó, porque eu via todos felizes por mim, estava tudo bem na minha família, e isso começou a me fazer questionar se tudo que eu tinha vivido e sentido havia sido mesmo uma fase”.
Toda a situação provocou um grave adoecimento a Raiane. Ela entrou em uma depressão forte e desenvolveu grande aversão pelo então parceiro, mas no fundo sabia que se o relacionamento acabasse ela precisaria encarar quem realmente era; e então os conflitos vividos anteriormente, principalmente com a família, voltariam.
“Eu não sabia se estava preparada para isso. Por fim, ele acabou terminando comigo. Foi quando tive uma segunda experiência com as terapias de conversão, dessa vez na igreja evangélica. Como estava muito mal por conta da depressão, me dispus a aceitar qualquer tipo de ajuda”, conta. “Por um tempo, até me senti bem, cheguei até a me batizar na igreja com esperança de me livrar de tudo. Pensava: ‘Ao ser batizada, vou voltar hétero’. Porém, mesmo após isso, percebi que continuava me sentindo da mesma forma”.
Raiane explica que dentro dessa igreja havia um movimento chamado “Sete Semanas”, que funcionava quase como uma reunião dos Alcoólicos Anônimos para prestar ajuda perante diferentes problemáticas, entre elas a sexualidade. Eram feitos encontros e rodas de conversas, durante as quais os participantes contavam sobre as próprias experiências e lutas internas.
“Ouvindo as histórias de outras pessoas, me lembrei de tudo que já tinha passado e pensei: ‘Meu Deus, essas pessoas estão morrendo’. Todos lutavam contra a mesma coisa que eu, mas no fundo eu sabia que não tinha solução, pois quando tentei ir contra esse aspecto sofri muito. Eu sentia a minha dor e a dor dos outros. Fiquei horas seguidas no espaço de oração, e acabou como um processo entre eu e a minha fé que me aliviou, sem que ninguém precisasse colocar a mão na minha cabeça e orar”.
E novamente Raiane afastou-se da igreja. A partir disso, o processo de autoaceitação a levou a se assumir definitivamente. De acordo com ela, a relação com a família foi bem complicada. “Eu sentia o peso de decepcionar meus familiares, especialmente a minha mãe, e ir contra as expectativas que ela criou sobre mim. Era extremamente doloroso. O sentimento de culpa foi o que me fez submeter a esse processo mais de uma vez”.
O divisor de águas para Raiane foi ter ido atrás da terapia convencional, que lhe fez compreender de fato o que sentia e que ela não é passível de condenação por isso. “Finalmente entendi que a culpa não era minha, porque acredito que essa era a maior dor. Sempre pensava: ‘Eu não me doei o jejuei o bastante'. A partir disso, pude entender minha história e ver que não era sobre os outros, e sim sobre quem eu era. Começar a terapia convencional foi a minha salvação, pois pude ver que havia outro caminho. Na época eu não queria mais viver. A única solução era a morte”.
Também graças ao processo terapêutico convencional, Raiane pôde separar a fé da religiosidade, algo que ela aponta como um fator muito importante quando se trata da autoaceitação sendo uma pessoa LGBT religiosa. “Eu achava que eu precisava abrir mão da minha fé para assumir minha sexualidade, mas quando entendi que podia viver feliz amando quem quer que fosse e mantendo minha conexão com Deus foi uma sensação inexplicável”.
Ao ser questionada sobre o quanto os processos de terapia de conversão “cura gay” podem influenciar e impactar a vida de uma pessoa LGBTQIAP+, Raiane é direta na resposta: “Pode matar”. De acordo com ela, quando pôde ter contato com mais pessoas que passaram por situações semelhantes a sua própria foi que percebeu o quanto essas iniciativas são destrutivas.
“Recebia muita mensagem de pessoas que diziam estar a ponto de tirar a própria vida por conta dessas ações. Não é simplesmente fazer mal. Acho muito covarde usar a fé de alguém para impor o que você acredita. Se formos olhar pela ótica religiosa, não há nada explícito dizendo que é certo ou errado ser quem é. São pessoas que usam do artifício religioso para propagar as próprias opiniões e colocar alguém como culpado por sentir algo. Isso é horrível”, conclui.
Fonte.https://queer.ig.com.br/