Essa semana fez um ano que eu recebi a ligação que faria o meu mundo todo ter uma outra cor. Ligaram do Fórum e avisaram que tinha chegado a nossa vez de sermos papais. Liguei para o meu marido avisando da ligação e dois dias depois estávamos com o Gabriel no colo pela primeira vez.
Desde esse colo tudo mudou, tudo mesmo. O modo como olho o mundo hoje é bem diferente de antes. Não melhor ou pior, diferente. A sensação de que este serzinho depende inteiramente da gente me faz estar no mundo diferente.
A parentalidade gay é um tanto solitária. A parentalidade é solitária como um todo, mas acho que a vivida pela dupla paternidade é ainda mais solitária. Não tinha muito com quem conversar as vivencias que estava passando. Meus amigos que eram pais eram todos héteros e, por isso, vivenciaram uma paternidade bem diferente do que eu estava vivendo.
Em uma sociedade como a nossa, por mais descontruído que seja o casal, ainda é a mãe que fica com a maior parte dos cuidados com o bebê. E quando ia conversar com as amigas que eram mães, sentia muitas vezes um ar de “é assim mesmo”. Então mesmo sem saber muito como fazer, me atirei nessa empreitada de ser pai, de ser um pai gay.
Me vi com um bebê no colo. Não sabia nem muito como segurar ele. Por sorte meu marido já tinha feito bastante disso com os irmãos mais novos. Aos poucos fui pegando o jeito.
Hoje, um ano depois, troco fralda na madrugada, na meia luz, caindo de sono como se fizesse isso desde que pequeno. Muitos amigos me perguntam das fraldas, sempre dou risada e digo: essa é a parte fácil do role.
Meu irmão, que também é gay, uma vez comentou: "você sabe que vocês estão na vanguarda com esse lance de serem pais gays, né?". Ele me falou isso logo após eu comentar que tinha percebido olhares estranhos em um restaurante.
Gabriel tinha acabado de chegar, fomos apresentá-lo para minha tia. Na mesa ao lado tinha outra família: um pai, uma mãe e três filhas. A mãe não parava de encarar a nossa mesa. Como ainda estava no começo, fiquei na dúvida se era um olhar de curiosidade ou de reprovação. Hoje em dia, depois de ficar craque nos mais variados olhares que a nossa família recebe, sei que o olhar dela era de reprovação.
Eu guardo esta frase que meu irmão falou com muito carinho, porque ela já serviu em muitas ocasiões, por sorte, bem melhores que a primeira. Sim, somos realmente algo "novo" por aí. Mas ao mesmo tempo já não tão novo. Existem outras famílias de dupla paternidade, algumas bem famosas na mídia, o que faz com o que o senso comum tenha um leve choque ao nos ver, mas que passa rápido.
A pergunta que eu tanto temia chegou da forma mais interessante. Uma vez, em um espaço de brincar no Sesc, uma outra criança perguntou: "ele tem dois papais? Não tem mãe?" (pronto, chegou a pergunta!) Já tinha pensado dez mil vezes sobre esse momento e como iria reagir a ele. Doce ilusão... fui pego de surpresa por aquele garotinho ali. Gelei, meu marido fui um pouco mais rápido e começou a conversar com o garoto de forma muito natural. A mãe dele também foi rápida e lembrou que ele já tinha conhecido um outro garoto com dois papais em uma viagem ao exterior.
O mais interessante disso tudo foi que o grande problema que se apresentava na cabeça do garoto era para quem o Gabriel iria fazer o presente de Dia das Mães que se faz na escola - fazia pouco tempo que a data tinha passado. E ele mesmo, enquanto corria pelos brinquedos, ia se respondendo: ah, mas ele pode fazer para a avó dele, né? E logo depois o problema tinha sido resolvido na cabeça dele. E todos sorrimos.
Algumas vezes percebemos que tem olhares de reprovação, mas quase sempre ficam só nos olhares. Porém teve uma vez que sofremos uma agressão verbal homofóbica em pleno domingo na Av. Paulista. Essa vez foi bem difícil e um divisor de águas no modo como eu ando na rua quando estou em família. Ainda mais se estou em ambientes heteronormativos. Ligou um radar de alerta que antes dela não estava tão atento.
Recentemente, estávamos os três (eu, meu marido e meu filho) caminhando pelo bairro quando um cara grande, com cachorro na mão, ficou olhando. Na hora o meu radar me colocou em alerta. Ele veio em nossa direção e perguntou se o Gabriel era nosso filho. Pensei comigo: pronto, vai dar ruim. Respondi quase seco que sim. Ele se apresentou e disse que já tinham falado da gente no bairro. Ele e o marido também tinham vontade de serem pais. Na hora, abri um sorriso e respirei aliviado. Comentamos um pouco como tinha sido o nosso caso de adoção. Ele queria saber se tínhamos passado por algum preconceito durante o processo, que por sinal foi muito tranquilo e respeitoso.
Caminhar na rua depois da chegada do Gabriel é sempre uma loteria. Na maior parte das vezes, é bem divertido. Eu recebo vários flertes de mulheres que têm uma presunção de que um cara com um filho é hétero. Por outro lado, essa dedução também me coloca em situações engraçadas. Se vou olhar para algum cara no bairro que o meu "gaydar" apitou, eles retribuem o olhar com reprovação, como se eu fosse um cara enrustido. Brinco com o meu marido que ainda vou colocar uma bandeira do arco-íris no carrinho do Gabriel para ninguém ficar com dúvida.
Quando estamos nós três e estou de mão dada com o meu marido, é muito legal ver os olhares de casais de rapazes. Dá para ver a felicidade e troca de olhares entre eles com um: "olha, é uma possibilidade". Ainda mais de casais de gerações mais novas.
Fico me imaginando lá atrás, ainda me descobrindo gay, que poderia ter visto na sociedade a possiblidade de ser pai. Como teria sido muito mais leve. Eu sempre quis ter um filho.
Nesse Dia dos Pais, o que eu gostaria de dizer para todos os que um dia sonharam com um filho e acharam que seria preciso abrir mão desse sonho em razão da orientação sexual é que não precisa. Isso é sim uma possibilidade. E mais do que isso: é lindo! Sem dúvida, hoje sou um cara muito mais feliz que antes. Várias olheiras, é claro, porque noite de sono e/ou de balada viram lendas, mas vale cada noite mal dormida.