Fandom é o termo usado para se referir a uma subcultura composta por fãs de algum artista ou obra. É caracterizado pela parceria e interação entre pessoas que partilham gostos e interesses em comum. Porém, apesar da definição otimista, é comum que alguns fandoms reproduzam comportamentos e padrões agressivos a determinados grupos, como a comunidade LGBTQIAP+, em especial em ambientes que costumam ser conservadores, como o mundo dos animes.
Apesar existirem obras japonesas com personagens queer, a maioria das produções que chegam ao mainstream estão dentro das normas cisgênero e heterossexuais. Levando em conta esse fator, vale pensar em como ficam os fãs LGBT tanto dos animes cis-hétero quanto dos animes que abraçam a comunidade de alguma forma, uma vez que a LGBTfobia não é restrita apenas a quem está de fora deste grupo.
Nathália Rodrigues, musicista e influenciadora trans, acompanhou dois animes muito populares: Dragon Ball e Naruto. Além de terem um fandom bem grande, as duas obras não contemplam a comunidade LGBT – pelo menos não de forma explícita. Ela conta que é muito comum existirem piadas e reprodução de preconceito em forma de “piada” por parte de alguns fãs.
“Existe muita zombaria em relação a personagens que tem um jeito mais descolado e que são ou parecem ser LGBT”, explica. “Por exemplo: o fandom do ‘Dragon Ball Z’ me zoavam de Andróide 17, e os do Naruto me zoavam de Haku, pois são personagens que aparentam ser transgêneros. Na época, eu ainda não tinha começado a transição, mas já observava essas comparações e associações. Não passa de violência disfarçada de brincadeira”.
Andróide 17, como citado por Nathália, é um personagem que levanta questionamento quanto à identidade de gênero, especialmente por ter uma aparência andrógina, que une estereótipos de masculinidade e feminilidade. Haku, por sua vez, é um garoto que faz parte de Naruto e apareceu pela primeira vez em um de seus primeiros Arcos (“Prólogo – País das Ondas”), na Vila da Névoa. O próprio Naruto ficou em dúvida sobre o gênero de Haku, afirmando que "ele é mais bonito que a Sakura” (que é uma personagem feminina).
O simples fato dos estereótipos de masculinidade e feminilidade serem revertidos de maneira pejorativa mostra que a LGBTfobia pode ser facilmente despertada dentro dos fandoms de anime. Nathália avalia que a situação atualmente é um pouco melhor: “Os grupos compostos por homens cis-hétero fazem algumas gracinhas uma hora ou outra, mas hoje em dia muitos evitam falar ou fazer algo, já que o universo dos animes e mangás conta com muitos fãs LGBT”.
Apesar da melhora no cenário, ela ressalta que prefere permanecer ao lado de pessoas da comunidade no momento de confraternizar com quem compartilha os mesmos gostos. “Hoje em dia acompanho as séries e animes, mais juntamente com os fandoms LGBT, eu prefiro assim. Todo mundo zoa, brinca, e o máximo que são as discussões sobre personagens favoritas e mais fortes – que chega a ser engraçado –, mas fora isso é tudo paz a amor”.
Maria Giovana, lésbica e não-binária, acompanha One Piece, Banana Fish e Inuyasha, sendo que os dois primeiros apresentam personagens LGBT+. Ela avalia que os animes que possuem personagens queer e não se enquadram no gênero BL (Boys Love) ou GL (Girls Love) contam com um fandom violento com relação à comunidade.
“São ambientes extremamente LGBTfóbicos”, mesmo que dentro destes animes tenha representatividade LGBT, como em One Piece, que possui personagens canonicamente (oficialmente) trans. Muita gente joga hate (ódio) em cima deles e chama de ‘trap’”.
O termo trap é extremamente pejorativo e transfóbico, que quer dizer “armadilha”. Usado especialmente com personagens transgênero, a intenção é deixar claro que os fãs foram “enganados” por terem pensado que se trata de “mulheres de verdade”, ou seja, não reconhecem a legitimidade das identidades trans.
“Em Banana Fish isso não costuma acontecer”, continua ela. “Como se trata de uma história de amor entre dois homens, o público-alvo foge do padrão hétero-cis, então é incomum ver comentários preconceituosos”. Maria Giovana também tem apreço por outras obras Boys Love, como Given, e explica que os fandoms são muito mais sadios.
“A diferença entre os dois [fandoms] é clara. Entre os fãs de animes LGBT não existe espaço para intolerância, pois há um consenso de respeito mútuo, mesmo que de vez em quando possa surgir algum comentário maldoso”, explica. Contudo, ela também aponta que além dos fãs hétero-cis, aqueles que integram a comunidade não estão isentos que reproduzir preconceitos, principalmente por não levarem a própria representatividade a sério.
“Mesmo quem é LGBT acaba contribuindo com o desrespeito por meio de comentários que julgam ser ‘inofensivos’, com a desculpa de ser ‘apenas um desenho’, e ignoram totalmente a problemática por trás”.
Outro ponto a ser considerado sobre isso são os shipps . É muito comum a criação de possíveis casais de personagens por parte dos fãs, tanto com relações heterossexuais quanto com relações LGBT. Neste último caso, acontece bastante de shipparem personagens que fazem parte de animes que não tem a comunidade queer como foco, e isso costuma incomodar a parcela de espectadores cis-hétero.
“Shipps entre héteros, mesmo que seja entre crianças, é visto como ‘fofo’ e ‘agradável’”, comenta Maria Giovana. “Enquanto isso, shipps entre pessoas do mesmo gênero, seguindo a mesma linha de idade, como se crianças não fossem capazes de nutrir um amor inocente umas pelas outras, são vistos como ‘sexualização’ e ‘forçar a barra’. Um exemplo muito bom é o shipp da Anya com o Damien (Spy x Family) ser extremamente bem aceito e considerado lindo, mas o shipp Killua e Gon (Hunter x Hunter) é visto como errado”, conclui.